Lygia Clark

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Ontem eu estava péssima me sentindo ultra desagradada. [Diário 1]

documentType
DiaryDocument Type
artMedium
DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
date
22-08-1971
dateBegin
22.08.1971
location
author
transcription



22 de agosto de 1971



Ontem estava pessima me sentindo ultra desagregada. Fui ver Aspazia no hospitale ela falou que meu trabalho é revolução cultural. Depois saimos eu e Camargo para comer no Domus e uma hora chorei de angustia. Camargo começou a colocar duvidas e mais duvidas no meu trabalho e aí tive uma reação positiva defendendo-o com toda minha lucides- Antes o Camargo disse naõ sei o que e eu antes de começar a chorar disse quase aos gritos:- O que eu quero é deixar de fazer arte ! Percebi imediatamente que era o medo que as ultimas proposições só gestuaes que saõ abismais e que foram vividas pela mulher do Martin Barre como uma expressaõ infantil terrivel, e eu estava bloqueada de medo dentro de mim mesma. Conversamos sobre a inversaõ que diz ele ha no meu trabalho. Porque eu proponho um ritual mas o homem aí está refazendo a usa propria mitologia e Camargo acha que as minhas proposições naõ saõ bastante fortes para atingir isso. Eu me esqueci de dizer-lhe que hoje para mim naõ é uma pessoa que vae fazer uma revoluçaõ cultural e que se eu faço a minha eu sou uma pequena parte dessa chamada revoluçaõ cultural e será uma mudança total que poderá realmente mudar o que quer que seja e de uma maneira fundamental. O dialogo entre nos dois foi terrivel. Parecia uma inquisiçaõ e percebo que se fosse na idade media estaria sendo queimada viva, tal é o conceito que proponho avesso a tudo que foi proposto até aqui no que se chama arte !

Sonhei:- Estava dentro de uma casa com outras éssoas. Entrou um menino doente meio debil mental ou patologico, sei lá. Todos queriam tira-lo a força da sua casa mas eu consegui faze-lo sair de uma maneira gentil porem firme.

Acho que a casa é o meu corpo e que dentro ha um menino doente e eu estava dando atençaõ demasiado a esse lado meu e do meu trabalho que toca a psicoanalise ou a ante psiquiatria na regreçaõ. Acho que botei para fora ou como diria o Heli Pelegrino talvez eu reincorporei num contexto amplo em mim mesma e hoje quando acordei senti apesar do trauma do sonho que estava com a cabeça no lugar. Pensei que começar a ler Groddeck era tambem me identificar com o lado da patologia sendo que o meu trabalho é muito mais do que esse lado. Foi uma reedescoberta do meu sentido o sentido que tem o meu trabalho e que eu mesma passo ater que esta me tirando da crise. Deixarei a patologia a quem interessar e continuarei a fazer o meu traballho com gente dita normal ou condicionada pela sociedade em que vivemos.

Acho curioso o Camargo aceitar a conclusão do meu trabalho e negar as proposições. Disse-lhe que entaõ para ele eu seria uma pensadora........

Todo o meu pensamento nasce do trabalho e se o pensamento é importante como negar a importancia das proposições ? Bola para frente e esperemos para ver como as coisas vaõ ficar ou ainda continuar...........................

Estou lendo um artigo do Grodecck que se chama : Do ventre humano e da sua alma.. A mesma fantazia que fazia ha anos sobre a alma ele tambem a faz. Quando o rescenascido abre a boca e entra a primeira golfada de ar é a alma que entra dentro do corpo. Vejo que sou muito colada ao Grodecck pois no bicho O dentro é o fora é o espaço desse bicho que chamo o meu pulmaõ, espaço afetivo. Para o Groddeck ha a alma do ventre, da cabeça, do coraçaõ e do plexo solar. É uma barra esse homem. Penso sempre , se homens como ele Freud descobriram atravez deles mesmos esse mundo desconhecido do inconsciente e naõ perderam a razão porque eu vou perde-la descobrindo atravez de mim mesma minhas proposições ?


ID
65651