Lygia Clark

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A chegada e Mario e Jean [Diário 1]

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DiaryDocument Type
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DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
dateBegin
25.12.1968
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transcription

A chegada do Mário, a crise no Brasil e a chegada em seguida do Jan me pos numa grande crise afetiva. Era vespera do natal e mandei alguma coisa para os rapazes e Beth, fazendo para Sissi um casaquinho lindo de morrer em tricot e mandei tudo para o Brasil pelo Jan. No momento da despedida tive uma crise de choro e vi que estou taõ presa na minha gente e no Brasil como sempre. Só que sozinha tenho mais força para me radicar aqui. Sonhei nessa noite:

Estava fora da orbita da terra. A atmosfera era toda vermelha como sangue. Montada num grande pacote com papel vermelho que era ligado a outros por um badbante havia um homem tambem todo vermelho, parecia o diabo e eu atraz na garupa ia atraz do mesmo. Via a terra numa curva em baixo e pensei:- É um misto de sensaçaõ fetal e cosmogonica. Acordei.


25/12/1968


Sonhei hoje outra vez com o seio do sonho da criança que tinha fome. Só que quando o vi havia primeiro uma especie de valvula de plastico no jogar do bico que se transformou de repente numa maõ negra. De dentro da maõ saia uma substancia que parecia um bolo de carne moida crua. Olhei para o outro seio e este tinha como bico uma cara de serpente preta de olhos serrados. Saia da sua boca tambem esse mesmo material e tentei fazer que esse parasse de sair e parecia que ele is voltar para dentro da boca da serpente. Acordei. 

Me parece que essa substancia tem a mesma relaçaõ com aquela que saia da minha boca ha tempos atraz em sonhos obsessivos. Como esse sonho veio depois do sonho do .nascimento, talvez essa substancia antes vivida seria a gosma que se tira da boca da criança quando ela nasce. E talvez a vivencia da criança seja a mesma que eu tinha nos outros sonhos. Era como se essa gosma pertencesse ao corpo e de repente era cortada e eu sentia a boca ainda entupida pela mesma....A impreçaõ que tenho é que me libertei do sonho tambem obsessivo do tunel feixado onde permanecia desligada da realidade como viva-morta. E agora a impreçaõ que tenho é que também me libertei do sonho da gosma que saia da minha boca e que era terrivel.

Gostaria de pegar todos os meus cadernos de apontamentos e fazer uma ligaçaõ com a obra que fazia no momento de cada sonho ligando a obra, a realidade e os sonhos como processo de toda essa minha luta de integraçaõ de tudo.

ID
65539