Lygia Clark

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Volta a Paris. Fim do período da Cité. [Diário 1]

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DiaryDocument Type
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DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
date
18-06-1971
dateBegin
18.06.1971
timeline
1
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Estamos no dia 18 de junho de 1971 e estou surpresa pois naõ tomei nota de nada nesse intervalo. Momentos de grande angustia, procura de um psicanalista, Lagache e depois a ida a California que na verdade me tirou de toda crise da regressaõ. Lá como já havia começado a faze que chamei O Homem estrutura viva de uma arquitetura viva e biologica já estava no periodo de começo de novo crescimento. Ao chegar lá queria que o toque fosse no proprio corpo o que foi feito pelos espectadores e eu fiquei embriagada.... Sem falar uma palavra em Ingles comuniquei tanto ou mais que os outros! Comecei a viver inevntando cada  momento do quaotidiano e foi uma experiencia formidavel. De lá fui ao Brasil e aconteceu como sempre brigas horriveis. Jogada entre os tres irmaõs que se comiam brigando, defendendo o Alvaro, eu fui super agredida e tambem agredi muitissimo todos inclusive o Vitor que a meu ver foi o pivot de toda a intriga contra o Alvaro. Num determinado momento eu comecei a chorar e a vomitar e a percepçaõ é que vomitava pela primeira vez os filhos que já via como individualidades sem muita coisa a ver comigo propria. Isso deve ter sido muito salutar pois ao voltar para a França as unhas que roia desde criança cresceram pela primeira vez na minha vida e jamais tornei a roe-las....Volta a Paris. Fim do periodo da Cité. 4 mudanças em 6 mezes. Dores de dentes, e depois um calculo nos rins que foi a coisa mais barbara como dor que já senti em toda a minha vida ! Antes estava num granier 6 andares duplo sem agua quente, sem chayfage eletrica sem banheiro e W.C. Vivi lá uma pobresa angustiante por um lado pois virei gato. Tinha que embrulhar as fezes que fazia na cinza da lareira e descer as mesmas num saco plastico para joga-las na lata de lixo... Gastava 50 kilos de carvaõ por semana e vivia imunda, e quando ia visitar os amigos ficava maravilhada vendo um W.C. que passou a ser uma invençaõ fenomenal.... O frio era terrivel. Chorava todos os dias. Escrevia numa mesa que tremia sem equilibrio. A penuria era tal que me recusava a andar de metro que abtualmente adoro e andava de taxi só.

Depois comecei a sentir que havia uma nobresa nessa pobresa e miseria que combinava muito com as minhas proposições. E ainda hoje sei que era o meu lugar....Fui tirada de lá o dono havia voltado e fui para um studio pequnissimo que me emprestaram perto da casa da Violeta.

Sorte pois uma noite comecei a sentir uma dor taõ violenta que pensei que um dos meus ovarios havia rompido. Chorei e vomitei a noite toda e ao amanhecer as 6 da manhã fui para a casa da Vileta e pedi em prantos que chamassem um medico pois achava que estava morrendo de dor! A uma hora o medico veio e diagnosticou a pedra no rim e tambem  uma ciatica numa perna que a vontade minha era de corata-la e joga-la pela janela....Ainda nem falei do meu encontro com Violeta que foi fundamental para mim. Antes da ida ao Brasil antes da pedra fui depois de conhece-la e sua familia que passou a ser a minha tambem pois pela primeira vez aceitei o casal- Pierre e Violeta, filhos, sobrinhos.....maravilhosa experiencia foi como se encontrasse uma familia aqui onde amava todos e continuo amando-os muito! Em Carboneras  deu-se a experiencia mais importante da minha vida. Isso foi depois da California e da nova faze feita por mim. Vou contar agora mas as cartas que escrevi ao Mario, Vera e Oiticica daõ a medida maior do momento vivido. Agora é tarde para contar com tanta vivencia. (Mesmo a fase em que fui o outro o Mario tem uma carta que dá bem a percepçaõ de minha participaçaõ na vida do que significou para mim). Depois vou procurar me lembrar. O que anda acontecendo aqui em Paris é que estou dando minha medida muito mais por cartas que naõ deixa de ser um dialogo uma comunicaçaõ que escrever nesse caderno que no fundo é para repor as ideias para mim mesma.... Carboneras é no sul da Espanha. 

Tomando o aviaõ fui lá passar o veraõ na companhia de amigos que já estavam lá- Quando decolei senti pela primeira vez que eu estava conduzindo o aviaõ sem nenhum medo o oposto das outras viagens. Quando perecebi a Espanha do alto seti a terra toda aberta como um processo do o fazer-se. Senti essa perecpçaõ cegamente e sem ficar impressionada. Ao descer no aeroporto a percepçaõ em bruto na vida pela primeira vez começou de uma forma fantastica. Senti o calor como se tivesse engolido um tijolo quente e saia de dentro de mim era como uma germinaçaõ. Tomei um taxi para ir até a praia e quando me vi na estrada na.disparada comecei a me sentir como num sonho antigo a percepçaõ de que estava montada num rabo de um pacote vermelho na garupa de um diabo e via o mundo, estava no cosmos.......

Sensaçaõ que me tirou toda a sensaçaõ de tempo. Essa viagem durou uma eternidade como vivencia.... Lá chegando vi excitadissima que havia algo no ar no mar na terra mas estava taõ cansada e vi tanta gente que naõ pude me entregar a percepçaõ.... Á noite tomei dois mogadons que tomo sempre para dormir e comecei a sentir a sensaçaõ mais incrível. Era como se meu inconsciente tivesse arrebentado e saia de dentro dele mil vivencias que durou toda noite e cada minuto era vivido como se fossem horas..... O medo ou o pavor era de tal ordem que de dentro de mim uma menina gritava de terror. Eu pegava as unhas grandes já e me dizia:- Eu mato essa menina, mas naõ roerei mais as unhas. Nessa noite eu amtei ou meljor reintegrei essa menina em mim. Ao mesmo tempo, via uma forma, como os dois sexus integrados e percebi que isso era a buceta no seu pleno significado, e que a buceta naõ era somente como antes sentia a parte interior mas sim os moldes exteriores e no dizer do Carlos Augusto Niceias o que vi pois desenhei para ele é a forma mais arcaica do sexo que poucas pessoas na vida tem dela visaõ. Quando saí de manhã da cama, e me olhei ao espelu do banheiro me vi com a cara cavada como se tivesse perdido varios kilos, e envelhecida bil anos e pensei pela primeira vez em Goya e me disse- Agora eu o compreendo.... Parecia que toda a minha carne havia de descolado dos ossos e que os ossos tinham sido entortados. Saí para a varanda e vi a atmosfera o mar o ar como se fosse Mercurio e naõ a terra. Vi que toda a terra era processo e naõ parava de se mecher como se tivesse se fazendo diante dos meus olhos.... Os sons que percebi eram de uma gudeza taõ extraordinaria que entrava pelos timpanos e descia até o fundo de cada nervo dntro do corpo. 

Fui invadida, sucumbi debaixo dessa atmosfera magica e nesse momento um rebanho de bodes pretos com olhos semi-serrados cor de mel passaram em tropel diante da varanda. Era para mim como se todos os demonios estivessem desfilando na minha frente soltos no mundo. Desci rastejando até a praia para sentir que a agua era agua o ar era ar e nesse contacto tornei a sentir a realidade mas a terra naõ parou nunca de se mexer e continuou a ser processo até o fim. Quando saí e comi um Calamari a sensaçaõ do tijolo quente que engolia foi terrivel e era tambem como se tivesse engolindo um pedaço da pedra da apisagem do logar.

Fiquei nesse estado, 3 dias e 3 noites, sem dormir e no fim deste periodo comecei a chorar e a bocejar até que caí num sono profundo e enorme. Quando acordei e me vi no espelho do banheiro depois de tanto tempo o meu Deus encontrei novamente a minha cara perdida em toda a faze em que fui “o outro”....Tive muito medo de ter essa especie de alucinaçaõ mais uma vez e a naõ voltar a realidade e fui conversar com o Carlos Augusto que me disse que era mais sadio ter esse tipo de percepçaõ que atravez das minhas proposições com o corpo que era ainda uma maneira indireta e muito mais neurotica de me sentir ou exprimir....Depois quando estava nessa noite nessa grande alucinaçaõ a figura de Violeta era a figura forte que eu sabia poder contar e Pierre também entro. Acho que a faze vivida posteriormente por mim na recomposiaõ do casal teve muito mais a ver com os dois e comigo mesmo nessa transformaçaõ de ser Eu mesma depois de ser o “outro” nas fazes passadas, Agora tenho mais perspectivas. Comecei a decompor o corpo na fase nostalgia do corpo e a regressaõ foi violrnta.

Depois fiz o homem recuperar o seu corpo começando a ata-lo e depois na ultima faze ele virou organismo vivo estrutura em si. Foi o crescimento. A extroversaõ, o religamento dele com o mundo, com os outros. Como em mim o processo é sempre interligado eu tambem sofri em mim todos esses processos, regredi ao extremo , cresci e agora nem sei se farei mais arte ou qualquer proposiçaõ pois depois de carboneras a vida nela mesma passou a ser taõ rica taõ sentida por mim que aqui estou vivendo simplesmente sem nenhuma necessidade de fazer outras proposições e mesmo para escrever faço um grande esforço acreditando que seja importante deixar um  testemunho de toda a minha força para colar arte e vida numa só coisa.

Depois de Carboneras fui ao Brasil me tratar e lá como sempre aconteceram coisas que muito me mobilizaram. O encontro com os filhos, com os paes. Meu pae na primeira ida a Belo Horizonte pensando que ia voltar me tratou com um grande carinho mas depois quando lhe pedi dinheiro para aqui viver ele se lembrando que o havia mandado tomar no cu isso ha anos atraz ele ameaçou de me quebrar todos os meus dentes e eu parti para ele o ameaçando tambem. Nesse momento perdi a imagem do ppe até o abismo da porra e só consegui introjecta-lo no Rio numa bebedeira quando senti que era muito parecida com ele na sua violencia na sua loucura e naõ havia herdado dele o penis que agora aguento tranquila, tranquila... Volto para Paris super magra, menos 3 kilos que já havia engordado na crise da perda que me fez emagrecer em 10 dias 5 kilos. Venho direto para o atelier que a Vila De Paris me deu. A adptaçaõ foi dura. O local é muito árido mas já estou habituada. Depois veio um periodo otimo. No começo comecei a sonhar com o casal integrado. O acordar era muito, traumatizante poir me via só se, possibilidade de fazer casal com nenhum homem. Mas só o constatar que foi integrador o sonho veio a integraçaõ da fealidade e senti que o importante naõ era fazer casal com ninguem mas sim senti-lo no interior como positivo. Entrei e daí em diante num periodo extraordinario. Tranquilissima e numa especia de estado de graça na propria vida. Tudo passou a ser importatissimo para mim. Sem nada a dizer a naõ ser algumas proposições que já haviam nascidp antes de ir ao Brasil. Só com o corpo e sem nenhum objeto intermediario para as experiencias. Duvido muito que ainda faça arte. A ercepçaõ em bruto que tive do nascimento fui tambem fundamental. Nas outras fases eu sonhava que paria eu via crianças nascerem mas agora o que senti e ainda sinto é bem outra coisa. Minha menstruaçaõ acabou no mes passado. Como estava muito bem, reflorescente, todo mundo . oensou que era gravidez eu idem. O exame deu negativo. Aí eu comecei a sentir que dentro de meu corpo algo germinava com uma força brutal. Quase escutava o som de talos que cresciam para a vida. Maravilhada constatei que essangerminaçaõ era Eu mesma e que eu renascia no meu interior com tanta força como se fosse a criança.....

ID
65566

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