Lygia Clark

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Depois da volta do Brasil [Diário 1]

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DiaryDocument Type
artMedium
DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
dateBegin
16.02.1972
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1
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transcription

16 de fevereiro 1972 

Depois da volta do Brasil e do encontro com Y.


Sonhei que estava num deserto com Y fazendo amor. Só via viceras de um camelo uma vaca e as nossas. Um trem passa e pára a distancia. Sinto que ele pára so para nos ver fazer amor.


Outro sonho:

Olho no espelho e vejo que meu rosto está criando uma penugem avermelhada. Torno a olhar e vejo uma baraba cerada debaixo do meu queixo. Era curta, preta como a do Ciano 

Pego uma navalha e raspo a barba.


Outro:

Sonho que estão tirando fotos minha na rua como se estivesse morta. Era um filho que tirava as fotos. Depois me vejo com uma bluza muito feminina, de calças compridas fazendo uma serie de gestos em cima do cachorro do Alvaro que na realidade é uma fera). Ele abria o olho para mim, olho terrivelmente feroz com de mel e depois feixava e ficava quieto-Alvaro batendo as fotos de cima pegando minha figura sobre a do caõ. 

Acho que o caõ é minha parte selvagem que Y descobriu e disse gostar . Parte bicho feroz mas domada. Alvaro é o dono do caõ.


Sonho: Vejo uma mulher com olhos extraordinarios, pintados, penso em Lais mãe de Ciano e Violeta, pois ontem reparei nos seus olhos na vespera. Havia uma outra moça que era uma companheira. Hosp tal com um clima homoxesual

2ª parte: Duas crianças nadando no mar juntas. Eram louras e parece que havia outra que era um menino. Foram salvas.



Vou a Utrech fazer um espetaculo que saiu muito mal. Pouca comunicaçaõ publico frio e me senti mal. Acho que minhas coisas saõ fracas, meio estilixadas e talvez atravez do pensamento O homem estrutura viva de uma arquitetura biologica tenha sido ilustrado mal no trabalho. Pela primeira vez acho que entrarei numa grande crise de ordem interior. Estou muito angustiada e deprimida e acho que minha vida naõ tem o maior sentido. Depois de conversar com Guy a esse respeito, com a Ciano depois da minha volta sonho:

-Vejo uma escada branca do tipo caracol. Vejo minha cabeça que começa a parecer em cada degrau pelos buracos dos intervalos da escada. Tenho medo de quebrar o pescoço e acordo muito angustiada. Naõ sei o que significa- Se é a proposiçaõ que ontem tive a consciencia de que saiu direto do pensamento ou se é a maneira que estou querendo me tirar da crise, pela analise do pensamento.



Meu caso com Y corre demal a pior. Cartas desaforadas de um lado ou de outro. Falta de comunicaçaõ total. Naõ espero mais nada dele. Já tirei da minha bolsa os seus bilhetes e guardei na gaveta. Mal e bom sinal.




Crise muito aguda da falta de comunicaçaõ em Ultrech. Taõ aguda quanto a crise do o “caminhando” mas assim mesmo estou mais serena. Jean Clay vae comigo num hospital de psicoticos no Loir e talvez lá passa trabalhar com eles. Fico um pouco deprimida pois fugi da loucura toda minha vida e agora parece que o meu logar é lá mesmo.

Tenho sonhado bastante e tenho a impreçaõ de que ha sempre uma criança que chora desesperada regeitada. Devo ser eu outra vez que, ando me sentindo muito regeitada com o Y.



Recebi uma carta dele já mais branda que a outra e quer que eu vá a Italia para encontra-lo. Estou contente mas com medo. Me digo todos os dias pasciencia mas quando acordo e as vezes penso no dia fico niilista como na época da regreçaõ da faze sensorial e desanimada. Depois melhoro e penso em todo mundo que está com sua crise como eu e que estaõ até pior pois tomam drogas, pileques etc e eu me aguento so sem nada disso. Acho que minha crise fundamental é a da criaçaõ. Se trabalhar com patologicos e der certo talvez me sinta melhor embora naõ resolva essa crise que é a existencial. Mas de qualquer maneira resolvendo o problema de ser util e o meu trabalho ter uma funçaõ social. Grande já é muito bom.

Ir para o Brasil naõ resolve a crise irá comigo. Terei que resolver essa crise em qualquer logar e será por hora aqui.


Minha vida no sentido dia a dia nunca esteve melhor. Naõ tenho problemas de dinheiro pela primeira vez na vida e estou bem instalada. 

Devo aprender a falar Ingles é importante. Espero desanimada naõ sei o que. Acho que é o desanimo que me deixa sem tomar nenhuma providencia. Pedi ao Jean Clay que me ajude a ir no tal hospital pois sempre tive necessidade de um homem par me empurrar para fazer as coisas certas. Acho que é infantil mas ainda estou desse geito.

A relaçaõ com o K. continua e as vezes me enche tambem mas já vi que naõ posso ficar sozinha. Impossivel.


ID
65666