Lygia Clark

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Tenho pensado muito na morte. [Diário 1]

documentType
DiaryDocument Type
artMedium
DatilografiaArt Medium
inLanguage
PortuguêsLanguage
date
06-05-1972
dateBegin
06.05.1972
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6 de maio



Esta noite tive um sonho com uma criança que estava em perfeita saude.


Tenho pensado muito na morte. Nas pessoas que se mataram por naõ encontrarem um sentido na vida. Acho que pela primeira vez (porque primeira? Tenho sempre essa mania) eu estou sendo checada profundamente pelo instinto da morte. Isso me veio depois da Holanda. E tambem depois que senti que o Arras já naõ é a mesma coisa pra mim. A distancia, a naõ ida á Italia depois de tanto esperar está diluindo a relaçaõ.

Já naõ depende dele e de mais ninguem minha permanencia aqui na França. Só depende de ter emprego, trabalhar e comunicar. Naõ importa onde.


O pensamento mudo me deu um mundo de novas percepções. Primeiro o da naõ formulaçaõ e a vida aí está para ser vivida tal como ela é. Depois a percepçaõ de que se pode ainda comunicar atravez de uma linguagem mas negando a comunicaçaõ especifica da mesma. O cinema que queria fazer que naõ existe mais filme mas só a maquina e as pessoas que estaõ em volta sendo enquadrada pela camara sem filme.

O conceito do instinto da morte que é a negaçaõ da vida. 

A vida nela mesma se propondo a cada passo. A revelação de que a vida é dura para todos e é como se estivesse nela na realidade ha pouco tempo e daí o meu medo, a minha nagustia, os pesadelos a morte. Na medida em que a morte me checa mais a vitalidade a contrapõe e o desejo de me expressar vem carregado de peso do existir. Acho que dei uma guinada de 180 gruas e estou ficando adulta. Mas me recuso a ser rasoavel. Ainda quero viver da maneira mais intensa possivel, tudo que aparecer, no imprevisto no momento ato na medida da alegria da tristeza do gozo do desanimo. Naõ quero fazer arranjos para dela tirar algo menos sofrido mas mais agradavel Amarrei tambem muita coisa no sentido do espaço que abro agora quando proponho as pessoas que se comuniquem somente atravez de gestos. O vazio abismal que se sentia me fez tomar consciencia do antigo vazio pleno que antes era meu tema predileto. Depois que religuei esses dois vazios o de agora setornou pleno de significado.

Á noite deixei que as associações sobre o “pensamento mudo” me invadissem e cheguei até o feto. Tive a percepçaõ de que o mesmo se sente pronto antes de nascer e tem a primeira angustia existencial. Ele sabe que tem que sair e fazer esforço para isso e ao mesmo tempo esse nascimento deve lhe parecer a morte de situações passadas, e o espaço onde ele vae mergulhar seria o espaço abismal da vagina. Bloqueio para ele até a ultima resistencia para sair e nascer e a passividade e bloqueio do ficar na barriga da mãe protegido no mundo em que foi gerado super protegido. Acho que é o maximo do pensamento mudo, a dinamica a passividade, o sentimento da morte para a vida e da vida para a morte


Andei pela rua depois desse sonho e senti so no andar a dinamica que fazia, com que minhas pernas locomovem o corpo, a diamica da vida.


Ando me sentindo muito só. Penso em ir ao Brasil e voltar em Outubro para começar a lecionar na Sorbone. Passarei mais um ano aqui e depois acho que irei definitivamente para o Brasil. Y vae chegar mas naõ sei ainda quando. Estou exausta comessa espera e naõ sei o que sentirei. É terrivel mas acho que nada poderá mudar a nosso respeito. Ele está impossibilitado de me assunir, pela sua situaçaõ objetiva e tambem por seus limites subjetivos. Sou uma gigana e quando penso em fazer um compromisso com alguem fico com medo de me prender. Tambem naõ posso dar garantias. O meu tempo interior de uma experiencia. Mais me é impossivel. Apesar de me sentir muito solitaria naõ poderia jamais fazer um arranjo mesmo com o K. Aliás ele está sumido e pode ser que ele desconfie de alguma coisa. H. esteve aqui uma dessas noites e tem medo tambem de assumir alguem e muito mais uma pessoa como eu. 

O “pensamento mudo” seria somente o fim da minha experiência ?

Ou será como penso o amarrar de umconceito que de taõ geande abarcaria a vida, o feto, tudo de uma maneira nova... Tenho um certo medo de estar ficando paranoica. E pensar que é grande para substituir o vazio da criação está me abrindo !  osto de gente, da vida, só que ando achando a mesma muito vazia. Pudera ! O transformar-se é morte. para a vida nova. Escrever a mão é a negaçaõ do pensamento mudo, é como o sentir as pernas quando ando na rua. O exercicio do corpo que se expressando expressa mais do que ele proprio.


Sonho que jogo paciencia. seria como se quizesse zcertar na própria vida. as cartas que tiro- Estou passando por um processo muito grande : estou vendo que até minha letra está mudando. está ficando legivel! Muita angustia quando acordo, na cama o tempose alarga. Gozado :pela primeira vez estou com vontade de escrever a mão.!

Mais do que a maquina.... e estou entendendo a minha letra ! Naõ entendia muito o filme Chagrin et pitieé, acho que por falta de cultura e me pergunto se naõ estou ficando menos inteligente ou se é a primeira vez que tentando sair do meu casulo para o mundo sinto todas as minhas limitações que sempre tive. Pergunto-me tambem se é porque estou taõ introvertida nos meus problemas que me é dificil prestar atençaõ a outras coisas embora nessa minha nova faze a realidade está fiacdno taõ importante para mim....Todas as manhãs escrevo naõ importa o que e a noite leio duas a tres horas seguidas. 


ID
65686

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